quinta-feira, setembro 29, 2011

Cigarette Countdown #20


O caminho foi longo até chegar aqui. 
Um caminho inteiro de interrupções para lembrar de você. Para achar você em outras ruas, outros becos, outros dentros, em mim. 
Enfim, de volta. Enfim novamente aqui. Enfim, ao fim do maço.

Neste cigarro derradeiro acendo uma fria chama, um alento para lembrar seu cheiro, seu gosto, seus sons. Porém a cada tragada, a cada fumaça lançada ao longe, as lembranças se dissipam um pouco. Queria reter as memórias por mais tempo. Então penso em parar de fumar, penso em parar de querer... E mais uma vez entendo que essa sou eu: a que sempre quer, a que não aceita por menos.

Confuso, sonolento e angustiantemente finito. Esse é o meu cigarro-memória consumido por mim e pelo vento frio que vem da janela do meu apartamento. E com o crepitar da brasa revivo sua risada quente e sua voz rouca me perguntando: “Quanto vale um cigarro?” 
Vale tanto. 
Valeu o pouco que você me pediu e o muito que eu pude te dar. 
Vale a vida que se segue. 
Vale essa nova manhã vista daqui do alto, que começa a se agitar num ruído diferente,um chiado ao longe, uma estática eterna. E se me lembro bem de um sonho que talvez eu tenha tido, você me disse que essa história será como um televisor ligado, e que não cabe a nós desligá-lo, apenas abaixar ou aumentar o volume quando desejarmos.

Não consigo terminar esse cigarro.

Deixo-o então terminar-se, por si só, queimando num cinzeiro vazio. Deito no sofá, ligo a televisão em nenhum canal, abaixo o volume, apenas por enquanto. E por enquanto também esqueço seus olhos e fechos os meus. Enfim, adormeço, sem você, mas com o nosso incessante porém reconfortante ruído. 


FIM DO VIGÉSIMO CIGARRO

quinta-feira, setembro 22, 2011

Cigarette Countdown #19

Definitivamente não fomos feitas para as manhãs frias. Nem para olhares esquivos, muito menos para o fim.

Dois universos se colidiram esta noite. Dois planetas se chocaram e explodiram. Poeira, lascas, peles, tempestades e vulcões. Como separar os elementos? Como diferenciar as moléculas, as partículas de mundos colapsados, fundidos. Respirei em sua atmosfera, me aqueci no seu sol. Você andou sobre minha superfície. E não foi só isso. Perfurou a rocha mais sólida, penetrou camadas de mim, e achou o que só você conseguiu dominar. Um coração fervente, em plena ebulição. E então? Como desvencilhar? Não fomos feitas pra nos dividir. 
                 
Então ficamos um pouco mais. Você me pede mais um minuto antes de ir. Mais um cigarro. Só isso. É muito pouco agora, e ao mesmo tempo é tudo o que nos define. Abro o maço e restam apenas mais dois, e sei que esse cigarro será o último com você.

Sentamos no meio-fio. Acendemos nossos derradeiros cigarros, como condenados saboreando a última refeição. Não nos falamos, sequer nos olhamos, mas sua perna cansada se apoiando na minha começou a conversa. Minha cabeça caindo pesada em seu ombro disse tudo que você precisava ouvir.
Na última fumaça-cúmplice deste maço, você levanta e me estende a mão. Me convida para um final belíssimo, um abraço numa rua deserta, talvez um beijo num nascer do sol fantástico. Mas o que vi quando olhei em seu rosto foi inesquecível. Era a cor que faltava para esta história improvável. Um novo tom em seus olhos. Não sei qual das duas Você eu gosto mais: a dos olhos-chumbo num quarto esfumaçado, ou a dos olhos-esmeralda numa manhã cinza. 
Beijo a sua mão, me despeço do seus dedos e você me diz adeus com um toque suave nos cabelos.
Te vejo ir, te vejo prender apressada seus cabelos revoltos, fechar seu casaco e encerrar esse caso. Te vejo quase olhar para trás. Mas não olhou. Te vejo dobrar a esquina e ... não há nada mais a se ver.
Você já é alguma outra pessoa e eu ainda sou a mesma e ainda estou aqui.




FIM DO DÉCIMO NONO CIGARRO

quinta-feira, setembro 15, 2011

Cigarette Countdown #18

Agora é sair. É andar em direção ao que sempre esteve lá.
Ao abrir a porta um ar frio me convida a voltar para o quente fogo do quarto. Marrepio com o sopro hostil da manhã e com sua cabeça tocando minhas costas me fazendo ir. E vou...

Como eu não ouvi estes ruídos antes? A cidade sempre esteve lá e nós ignoramos tudo ao redor. Foi isso que nos tornou possível? Apagar todo o entorno, nos descolar do real... e deslocar para fora, para o fino da pele, tudo o que está dentro. E atingir o que se esconder dos olhos da rua. O que você tocou nesta noite foi o meu avesso, aquela que se tem quando todo resto já não mais importa, não mais existe. 


Desviando de copos quase vazios, corpos quase frios, ultrapassamos a manhã da sala. Você flutua a procura de suas chaves, casaco e restos de ontem. E eu, tento achar meu lugar entre seus pertences. 
Paro no espelho do corredor. Me deparo. Sou eu bagunçada, remexida, embaralhada. Ajeito meu cabelo, ajeito um novo cigarro entre os dedos, ajeito um jeito de te dizer um quase adeus, quase triste, quase ficando mais um pouco. Curioso como minhas estórias tem sempre sido um eterno quase. E quando quase decido ir de vez, sem olhar para trás, sem últimos desejos, sinto você como se não desse mais pra me desvencilhar. São suas mãos procurando as minhas, são seus dedos se entrelaçando aos meus, roubando lentamente meu cigarro, os últimos minutos de nós, definitivamente. 
Nos viramos, eu e você, nos admirando no espelho do corredor, encantadas com a imagem dos nossos lindos avessos,  querendo desesperadamente um final feliz.




FIM DO DÉCIMO OITAVO CIGARRO


quinta-feira, setembro 08, 2011

Cigarette Countdown #17

Se eu te envolvo, a manhã te liberta.

Outro dia - ela diz. E então penso em dias longos, sua pele queimando sob o sol de um setembro. Seus cabelos desorientados fugindo pela janela de um carro.

Um outro dia - ela repete - uma tarde dessas... e poderíamos ser mais. E então penso em tardes frias de julho e cigarros quentes. Penso em cafés com você. Penso em vielas e avenidas ouvindo nossas risadas num passeio roubado.

Mas, noites... - ela ri, é onde somos melhores. E então penso nesta noite apenas. Como única noite possível. Os cigarros são mais quentes, as risadas mais intensas, sua pele queima sem sol, seus cabelos me orientam pelas suas vielas e avenidas. 

Se eu fecho meus olhos,e sonhando me recuso a deixar seu colo, a sua vida sem mim me desperta. Levanto-me a contra-gosto, ainda com um gosto de querer ficar mais. Recolho roupas e sombras minhas. Decepcionante é o vestir-me. 
Pela primeira vez temos um muro entre nós duas. Construído por nossos  dias seguintes. Você apologeticamente sentada na beirada da cama, trançando os laços do seu coturno. Eu, largadamente sentada no chão, te olhando e decifrando palavras de um plano remoto de uma próxima vez. 
Enquanto ouço suas expectativas para nosso próximo encontro, acendo um cigarro, não mais olhando para você, mas para mim, para dentro, para um espaço gigantesco que está se abrindo: é o lugar onde espero.
Uma última tragada. 
Longa... 
levanto e sigo.
A fumaça. 
Ainda no peito
Você levanta e me segue.
A porta do quarto ao nosso alcance.
É a nossa saída. 
Não deixo sair...
Nós duas olhamos. 
... a fumaça presa...
Nós duas paramos.
 Inação. 
Não me atrevo mexer meus pés. 

E é você quem derrete o momento congelado. Me segura na cintura, pede que eu deixe a fumaça sair. Eu faço, como se isso definisse o que está por vir.  E então, você me presenteia com um beijo tao longo como a última tragada. Esse beijo, não deixarei sair de mim. 




FIM DO DÉCIMO SÉTIMO CIGARRO 

quinta-feira, setembro 01, 2011

Cigarette Countdown #16

Tão doce foi o seu despertar. Seus olhos me procurando lentos, querendo que eu estivesse ainda lá, em você. Ainda estou, estive a noite inteira.
Tão suave foi ao seu meio sorriso. Sua boca me aquecendo o ombro, pedindo que eu guardasse seu gosto mais um pouco, em mim. Ainda guardo, guardei a noite inteira.


Quantas vezes você amanheceu assim? Ela quis saber, levantando preguiçosa seu corpo de rotina. 


Tão áspera foi a sua fala. Sua garganta me ardendo a mente, implorando que eu evitasse o envolvimento, em nós. Ainda estou envolvida. Estive envolvida a noite inteira.


Assim, ao lado de alguém que... Ela realmente quis saber, acendendo desleixada seu cigarro de despedida.  


E é exatamente aqui que eu chego ao meu limite velho conhecido. É aqui que tudo endurece em mim. É quando a dúvida do que sentir, por onde ir, me atormenta a tal ponto que só me resta acender alguns poucos cigarros e esquecer. E sempre foi doloridamente fácil esquecer... aquela que conheci na época do colégio... Aquela que encontrei sem querer no banheiro de um cinema. Acendi uns dois cigarros talvez e esqueci aquela do banco de trás do carro de um amigo, e também não demorou para esquecer entre tragadas aquela que não sai da minha mente agora... e esqueci talvez, num próximo maço, quando encontrei você numa festa e te quis como a única, como a que me libertaria do medo e da dúvida de ser de alguém.


Essa sou eu. 
A que foge.
A que disfarça o medo com um sorriso certeiro. 
A que desenha uma desculpa torta...
...e foge. 
E depois, como agora, acende um cigarro e lembra... 
outro cigarro e sofre... 
só mais um e... 
esquece?


E você? Me consome em tragadas e me esquece também? E você? Me aviva e mata em uma noite e volta para casa, onde alguém te espera? Não pergunto, não estrago seu despertar, mas entendo: somos iguais, estamos ambas em fuga.  
Sorrio com meu lábio-mentira que verdadeiramente ainda te quer, e com um insignificante cigarro aceso no canto da boca te ajudei com o feixo da sua noite perfeita e das suas roupas. 
Tocar em seu cabelos, e ainda querer. 
Dói um pouco. 
Sentir o cheiro dos seus ombros e, sentar ao seu lado dividindo fumaças. 
Corrói um pouco. 
Procurar em você tudo que foi meu por instantes, e num adormecer, tudo seu novamente...  devolvido onde estava. 
Só mais um pouco...
Um raio de luz invade o quarto e encurta meu tempo com você. A displicência desse cigarrro mal queimado se torna de repente tudo que tenho pra te dar. Te roubo o que parece o último instante da nossa noite-sonho, o último folêgo do meu desejo. Deito minha cabeça em seu colo e digo:  Vem comigo. Só mais um dia. Uma lua. Alguns cigarros...  


E essa sou eu, sempre te envolvendo no escuro da minha cela-coração.




FIM DO DÉCIMO SEXTO CIGARRO

quinta-feira, agosto 25, 2011

Cigarette Countdown #15

Exaustas. Exalamos cheiros e sabores esfumaçados. Respiramos juntas tudo isso.


Silêncio de quase manhã. 


Olhos fechados, meus e seus universos em segundos, separados por fantasias particulares e memórias de alguns cigarros reais. 
Sua perna trêmula descansa na minha, seu corpo ainda pulsante encontra conforto em meus braços. Você se aninha em meu peito e sorri, ouvindo os primeiros sinais de início do dia. E sem pudores de parecer que sempre te quis minha, digo: Já te falei o quanto eu gosto de adormecer ouvindo os pássaros acordarem? Você ri da minha confissão trivial, desdenha, e enrosca sua perna mais um pouco em mim, sem pudores de aceitar que sempre quis ser de alguém, diz: Não, você nunca me disse...
Eu te busco mais um pouco pra perto, te pergunto do que gosta e ouço de você um suspiro longo, preguiçoso, ganho um beijo no pescoço e: Gosto disso, desse gosto sonolento que você...


Adormece, nos meus braços.


Esse cigarro é só meu agora. Busco o maço ao lado da cama, sem te despertar, sem deixar você perdida em lençóis. Trago um pouco de luz pra mim. Acendo esse cigarro avivando minha memória, invadindo seu sonhar tão leve e sincero. Consumo essa fumaça desenhando caminhos pelo teto do quarto, definindo curvas pelo seu corpo. E digo baixinho para uma Você onírica, quase uma canção que você poderia ter me pedido para cantar em seu ouvido, as coisas que eu gostarei a partir dessa noite: becos, ruas, vielas escuras que me lembram seus olhos. Parques ensolarados ao amanhecer, como seus sorrisos. Noites de luas gigantescamente cheias refletidas em cabelos negros como os seus. Cabelos que agora estão ensopados de mim, bagunçados de nós. Sinto neles uma textura que nunca senti, enrolo meus dedos por uma mecha que insiste em me querer.  Não desvencilha.


Você me ouve ainda? Você me sonha agora?


Fecho meus olhos e saboreio esse idílico cigarro, com você sonhando em mim, suas pernas fincadas nas minhas, seus cabelos descansando entre meus dedos, e meus olhos fixos num indesejável fim.






FIM DO DÉCIMO QUINTO CIGARRO 

domingo, maio 15, 2011

Cigarette Countdown - #14

Horas. Eras se passaram por nós duas. A lua se moveu rapidamente, e não está mais onde a vi pela primeira vez: nos seus cabelos. Não há mais música, não há mais vozes de um universo distante, atrás da porta do nosso quarto. Este quarto! 
Tudo diferente. Lençóis devastados, você descoberta, eu desmedida, metida em sua vida numa única noite, numa única lua, em 13 cigarros.
Nada existia antes dessa noite, não houve antes desse momento, não houve antes dos seus cabelos, nunca houve um verdadeiro ANTES de você.
Num esforço tremendo dos meus músculos entregues aos seus, me levanto, estico, imploro pra não esquecer de voltar pra cama, pois já estou perdida nos flashes de um depois de você. 
Não me deixe divagar, eu peço com os olhos iluminados pelo isqueiro, meio escondido pela minha mão trêmula. 
Não me deixe dizer não, eu rogo, sugando o ar poluído desse novo cigarro. 
Não me deixe sair de você, eu exalo minha súplica  no ar.
Você desavisada dos meus pensamentos mais escorregadios, me pergunta: Pra onde irá depois daqui? Pra onde irei? Depois disso? Depois dessa noite? Depois...
E lembro tristemente de um Antes:

Uma casa. Vazia.
Flores num canto esperando vida.
Chave na porta.
Imagem confusa no espelho do elevador.
Eu.
Descendo, sucumbindo na noite.
Rua, beco escuro.
Ando. Espero. Fumo, sem gosto.
Outra casa. Cheia.
Flores em cabelos cheios de vida.
Porta aberta
Imagem confusa na janela da sala.
Eu.
Te vendo, sucumbindo na sua noite.
Lua., quarto escuro.
Ando. Tenho. Fumo, seu gosto.

Não tem pra onde ir depois daqui. Não sem você. Tremo de medo. Tropeço em expectativas vãs e lençóis. Atravesso nossas roupas e barreiras de um "quem sabe". E transformo sua pergunta num novo impulso de ter um agora, um mais presente, sem antes ou depois.
Me sento ao seu lado, e respondo: Depois? Quem sabe? E ganho meu direito de  ouvir seu agudo de novo, numa gargalhada, num gemido, num pedido irrecusável de terminarmos juntas esse novo cigarro.


FIM DO DÉCIMO QUARTO CIGARRO

domingo, maio 01, 2011

Cigarette Countdown - #13

... e continuamos, eu e você, de onde nunca deveríamos ter parado. 

Esqueço a interrupção daquela voz que não era minha, ardendo em seus ouvidos ao telefone. Você agora arde em mim, comigo e pra mim. Mas sei que algo mudou. Você treme mais que eu, você fecha mais os olhos e morde os lábios num medo só seu, onde eu não ouso tocar. 
Mas já aprendi como te tocar. 
Acendo um cigarro meu, pra você. Ponho o fogo nos seus lábios tensos. Você sorri e me saboreia neste presente. Desço pelo seu corpo junto com fumaça: língua, garganta, peito. E você me segura , envolve seu braço sem controle sobre meu pescoço. Mais um pouco, suficientemente perto para ouvir seu coração atormentado. Não quero ouvi-lo, não quero ver quem ou o que você guarda nele. 
Me desvencilho do seu não, e você se desvencilha da minha fumaça. Eu desço, eu danço, eu deixo seu controle pra lá e me vejo absolutamente cercada de você. Mais uma fumaça que entra, e sua perna faz o que seus braços não alcançam mais. Desta vez, seu controle é o meu guia, sua perna me impulsiona pra onde eu deveria ir. 
Minha visão escurece, não preciso dela agora. Olfato e paladar, pra saber que você é real. Tato e audição pra saber que eu sou real. Tenho seu gosto em mim, seu cheiro, seus gritos abafados pedindo mais, seus dedos em meus cabelos não me deixando respirar. Tenho tudo, tudo o que eu nunca conseguiria pedir, tudo o que você nunca conseguiria negar.

Tive você, como talvez nem você pudesse se ter. 


Enfim, você se contorce, torce lençóis e me chama exausta. Me devolve com toda gratidão do mundo o fogo que eu te trouxe: o cigarro quase no fim. Como se eu não estivesse já tomada de todos os seus sabores, me delicio com essa pontinha que por instantes esteve morrendo em sua boca.


FIM DO DÉCIMO TERCEIRO CIGARRO


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